PLANO DE SAÚDE
E agora? Quais são os meus
direitos? Esses questionamentos surgem, justamente, quando precisamos utilizar
os serviços de saúde, seja diagnóstico, tratamento clínico ou hospitalar. E o
assunto, infelizmente, não prima pela clareza, o contrário disso. Só para
começarmos a entender um pouco a questão, os planos de saúde têm algumas
classificações que os diferenciam. Podem ser considerados novos ou antigos, a
depender do ano em que foram pactuados, tomando-se como referência para essa
classificação, a lei que os regula e data de 1998 (Lei 9.656/98). Podem ainda
ser antigos adaptados , antigos não
adaptados, individuais e coletivos. Além da incidência de outras leis e
resoluções, como a própria lei supracitada, que se não incide diretamente nos
planos antigos, serve como norma interpretativa, junto à aplicação das normas
do Código de Defesa do Consumidor. Também as resoluções da Agência de Saúde
Suplementar (ANS), das normas constitucionais, dentre outras.
E como saber quais leis ou casos em que essa ou aquela lei incide?
Bem, para começar a entender, não
havia lei alguma que regulasse o setor da saúde suplementar. Primeiramente, o
que chamamos de saúde suplementar foi prevista na atual Constituição Federal (1988),
ao lado do Sistema Único de Saúde. Parece meio contraditório porque se há um
sistema único, como pode, então, existir outra possibilidade?
O SUS foi conquista da atual Carta
Magna, que estipula ser a saúde um direito de todos e um dever do Estado.
Estado, no caso, leia-se com a conotação de União. Isso não é letra morta ou um direito
programático, mas um direito subjetivo geral, que faz nascer o dever do Poder
Executivo em prestá-lo e a sua ineficiência ou omissão, dá azo à atuação do
Poder Judiciário quando provocado por quem do serviço necessita.
E ainda que esses serviços de
saúde sejam um tanto quanto ineficientes, não se pode pensar que esse direito o
seja só para os desvalidos. Independente da situação econômica de quem os pleiteia,
ele deve ser atendido. Claro que essa afirmação, na prática, parece piada, porque
ninguém quer se sujeitar a um atendimento tão precário como esses serviços prestados
pelo Estado. E a realidade é que, justamente, para fugir dessa situação, grande
parte dos brasileiros migrou para os planos de saúde.
Mas antes de adentramos na análise
das principais questões que levam os usuários ao Poder Judiciário, cumpre
frisar que independente de qualquer situação, o dever do Estado de prestar a
todos o atendimento integral à saúde permanece, sendo dever do Poder Executivo
destinar um valor adequado para a Saúde na Lei de Diretrizes Orçamentárias,
dentre tantas outras decisões políticas e administrativas, para que o setor se
torne minimamente eficiente.
Voltemos nossa atenção para o universo dos planos de saúde. Os
anteriores à Lei 9.656/98 eram regulados por leis outras, mormente pelo Código
Civil e pelo Código de Defesa do Consumidor, quando da sua entrada em vigor, no
ano de 1990. Mas até esse ano, o Código Civil aplicado (1916) era bastante ineficiente
para regular a matéria, não só porque não previa situações que tais (de seguro
de saúde), mas por tratar do contrato, dentre os demais institutos civilistas,
de maneira bastante arcaica. Basta lembrar que sua fonte de inspiração foi o
Código de Napoleão, de 1804. Época em que imperava o liberalismo, ou seja, a
ideia do maior individualismo, com a menor ingerência estatal possíveis.
Pois bem, no início do século
passado, os direitos sociais foram reconhecidos e constitucionalizados, como bem
o demonstram a Constituição mexicana de 1917 ou a Constituição de Weimar, de
1919. E outras mudanças sociais tomaram lugar até o fim do século XX.
A importância de se destacar essa parte histórica é desfazer um mito
que reside na mentalidade das pessoas com relação aos contratos. E convêm
fazê-lo agora, porque esse é o principal viés de análise de todo o Judiciário. Entender
com primazia a relação entre o usuário e as operadoras de planos de saúde, como
relações contratuais e de consumo.
Pois bem, o direito norte
americano é diferente do nosso direito e mesmo os institutos civis, tais quais:
direito à herança, regimes de casamento e para o que nos interessa no momento,
contratos, há uma larga distância entre eles, analisemos:
Em linhas gerais, o contrato nos
Estados Unidos, faz lei entre as partes, o famoso Pacta
Sunt Servanda. Isso também foi
realidade entre nós por muitos anos. Ocorre que, a mudança das relações sociais,
bem como a natureza dos contratos, fez com que tivéssemos uma ingerência estatal
nessas relações, e o princípio exarado fosse bastante mitigado. A razão principal
dessa guinada foi a falta de paridade entre as partes. O homem se apercebeu de que
não era unicamente o Estado que podia abusar da liberdade dos indivíduos, mas uns
contra os outros, em relações de hipossuficiência. Além disso, contratos de
massa se proliferaram, mudando também a forma de contratação. Ora, não só temos
necessidade de contratar o tempo todo, mas de fazê-lo para serviços essenciais.
Pois bem, se as relações forem de
consumo, incide o Código de Defesa do Consumidor nessas relações contratuais e
ele tem diversas normas cogentes, que imperam sobre o que foi pactuado entre as
partes. O que significa que, certas cláusulas tem-se por não escritas. O
Código Civil foi na mesma toada com relação à ingerência estatal nos contratos,
mas certamente, que em menor medida.
Portanto, o que importa é destacar
que em qualquer contrato de plano de saúde, o CDC vai incidir diretamente, o
que significa que, muitas vezes, de forma contrária ao próprio contrato ou às
resoluções da ANS, e até mesmo contra à Lei de Planos de Saúde.
O direito é um sistema e deve ser interpretado, obedecendo-se a uma
hierarquia de leis. Entende-se como uma pirâmide, que tem no seu topo a
Constituição Federal. Nossa Lei Maior estabelece as normas de hierarquia máxima
para o ordenamento jurídico. São princípios e regras que faz com que a leitura
de todas as normas infraconstitucionais tenham que ser lidas e entendidas de
acordo com elas. E se isso for impossível, tem-se por inaplicáveis tais leis
por inconstitucionalidade. Há ainda a possibilidade de qualquer ato, como as
resoluções da ANS serem ilegais por serem contrárias às normas (leis ou princípios).
Não é possível entender
o direito do contratante do plano de saúde de forma simples. Vejamos alguns
exemplos: os planos anteriores à Lei de Planos de Saúde que não tenham sido adaptados,
não sofrem a incidência dessa lei, certo? Não completamente, porque o
Judiciário se utiliza da lei respectiva como referência para os seus
julgamentos, além do Código de Defesa do Consumidor. Bem, então os planos de
saúde individuais, ditos novos (posteriores a Lei 9.656/98), sofrem só a
aplicação da referida lei? Não, porque inobstante seja uma lei especial, o
Código de Defesa do Consumidor também o é e atende diretamente esse tipo de
relação, portanto, aplicam-se nesse caso, as duas leis. E os planos de saúde
coletivos? A eles também não se aplica a Lei dos Planos de Saúde, como nos
antigos, apesar da realidade extravagante das operadoras que com suas manobras
para burlar o sistema, não estão mais comercializando planos de saúde
individuais há muito tempo. Com relação aos mesmos, o Código de Defesa do
Consumidor e a Lei referida como norte interpretativo. E sem nos esquecermos de
que em todos os casos, há que se considerar primeiramente a Constituição Federal
e fazê-la prevalecer na prestação do direito fundamental à saúde.
Bem, como se pode notar, o
assunto não se esgota facilmente, antes carece da análise de um advogado especializado
no assunto ou uma associação que tal, como o IDEC, mas o que interessa nesse
artigo é chamar a atenção do contratante de plano de saúde, para que se informe
adequadamente sobre os seus diretos.
Seguem elencadas as questões discutidas em Juízo: negativa de cobertura;
interrupção de tratamento; tempo de carência x urgência/emergência; aumentos
abusivos de preço, tanto anuais quanto de faixa etária; descredenciamento de
hospitais, laboratórios e médicos; negativa de fornecimento de insumos, próteses
e órteses; negativa de cobertura de custos com transplantes, cirurgia bariátrica
para obesidade, cirurgia de fins estéticos como tratamento complementar e
sequencial a doença ou acidente que gera grave deformidade física; etc...
Infelizmente, o caminho ainda é o
Judiciário. A boa notícia é que mais de
80% das decisões são favoráveis ao contratante. A má notícia é a má gestão
da ANS, que tem um gasto elevadíssimo para os cofres públicos e labora, em
maior parte, a favor, justamente de quem deveria fiscalizar, ou seja, as
operadoras de plano de saúde. E a participação popular é mínima, além de nunca
ser levada em consideração. Portanto, também é hora de fiscalizar a própria
agência que deveria servir de órgão fiscalizador!